sexta-feira, agosto 10, 2007

Grosso modo - II

Sendo professores muitos dos responsáveis desde Blog (que pretendia apenas ser um Blog de Geologia, patrocinado pelos colegas do curso de 85/89 de Coimbra) às vezes é necessário desviar-nos dos nossos propósitos iniciais para falar de aspectos ligados com a docência e a educação em Portugal. É por isso que por vezes falamos do Ministério da Educação, da sua Ministra e das suas políticas educativas, pois afinal sentimo-las na pele e, em Democracia, é correcto que haja opiniões, debate e divergências.

Depois deste preâmbulo, queria aqui explicar aos muitos conhecidos e amigos que acham ser temeridade, neste momento que o grande Poeta Manuel Alegre definiu como tempo de medo, falar de certas coisas. Este espaço é local de liberdade (e não confundir com libertinagem - aqui não insultamos ninguém e achamos mal que se insulte os políticos, os professores ou outras pessoas, bem como as respectivas mães…). Mas concordamos com Manuel Alegre que este momento se está a tornar inquisitorial, com bufos a ouvir atrás das portas, em que se sussurra como se um qualquer polícia político nos pudesse estar a ouvir, em muito do que se pensa tem de ficar apenas para nós. E um país em que não se pode pensar é um país de zombies, de mortos-vivos, de seguidores acéfalos de Senhores Iluminados, é um país adiado.

Eu, como professor, quero que os meus alunos pensem pela sua própria cabeça e o aprendam a fazer rapidamente. Mas como o posso fazer se os exemplos que têm lhes dizem que é perigoso fazê-lo e se os professores, os jornalistas ou os funcionários públicos o não poderem fazer…? É preciso não calar, como alguns pretendem que se faça, nestes tempos em que o Ensino Público está em perigo e os professores são acossados por aqueles que os deveriam ajudar e compreender - o seu próprio Ministério… É preciso criticar o que está errado no Ensino e impedir que o ME seja o seu próprio carrasco. É preciso impedir que os professores tenham de morrer para lhes ser concedida a Reforma… É preciso denunciar os sepulcros caiados de branco que choram lágrimas de crocodilo sobre os mortos, quando foram eles próprios que levaram, pelas suas ordens, que doentes terminais tivessem de voltar à Escola e não pudessem morrer no seu lar… É preciso denunciar esta política economicista, mentirosamente disfarçada, que leva os professores a um estado de prostração e os impede de ter o prometido - o salário acordado, a reforma no momento em que as suas forças chegam ao fim e o respeito da classe pela sua tutela e pela população.

Aos vários amigos e familiares que me advertiram de que falo de mais destas coisas, o meu agradecimento pela sua preocupação. Mas, recordem-se, quem cala consente. E, para perceberem o que quero dizer, aqui ficam três poemas para perceberem melhor o contexto da desta triste época…

Vladimir Mayakovski (1893-1930)

Na primeira noite, eles aproximam-se e colhem uma flor de nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam o nosso cão. E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.


Bertold Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.


Martin Niemöller (1892-1984)

Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu.

Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram outro vizinho que era comunista.

Como não sou comunista, não me incomodei.

No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho social-democrata.

Como não sou social-democrata não me incomodei.

Quando vieram buscar os sindicalistas não disse nada

não sou sindicalista.

Quando vieram e me levaram

já não havia ninguém para se ouvir...

1 comentário:

Carlos Faria disse...

Margaret Atwood, uma escritora canadiana, no seu livro "Handmaid's Tale", relata o diário de uma mulher numa futura ditadura, situada naquilo que hoje são os EUA, la descreve como foi possível uma democracia calmamente se transformar no estado déspota através do silêncio e cumplicidades do povo... por isso, há que pôr na ordem do dia a máxima "Há sempre alguem que resiste, Há sempre alguém que diz não", mesmo sabendo que, nos tempos que correm, isso implica algum risco. Ser professor, geólogo, funcionário público, etc. não ños retira qualquer direito de cidadania e fez muito bem em denunciar se é isso que pensa.